segunda-feira, 21 de maio de 2007

3.3 - Entendendo os escravos...

Africanos capturados eram separados para sempre de sua família, muitos morriam na travessia acorrentados aos navios. No Brasil eram vendidos por todo o território, onde de nada lembra sua terra natal, apenas guardava seu futuro de dor.

Trabalhavam nas lavouras, longe de casa, fazia com que diversos negros entrasse em depressão e morressem. Isso era chamado de “banzo”. Mas muitos não morriam, mas lutavam como podiam, os mais corajosos fugiam e retornavam para resgatar seus companheiros, chegavam a assassinar os fazendeiros, as grávidas abordavam, cada um lutando como podiam.

Eles conheciam a agricultura, então entendiam o que acontecia ao seu redor, porem nunca aceitaram sua posição. São Mateus foi a região onde mais se viu quilombos, que para os negros era a conquista a liberdade.

3.4 - A Terra dos Quilombos

Ilustraremos agora como era a vida desses escravos com duas estórias reais contadas no livro “Os Últimos Zumbis” de Maciel de Aguiar. Procurando entender melhor a relação senhor e escravo. Porem não levaremos isso como duas únicas formas de convívio.

“Por volta do ano 1680, um fazendeiro de nome José Trancoso trouxe do continente África doze negros para serem escravos em sua nova fazenda. Os escravos trabalhavam muito e em troca só recebiam chibatadas dos capangas do senhor. Uma desses escravos era uma mocinha, “de olhos esfumaçantes”, que os outros negros chamavam de princesa.

O nome dela era Zacimba Gaba. Ela era princesa da nação africana de Cabinda, onde hoje fica o país Angola. Ao saber da estória de ter uma princesa em sua fazenda, o senhor resolveu chamar a mocinha. Ele a interrogou e proibiu sua saída da Casa Grande.Ao longo de anos Zacimba apanhou do senhor no pelourinho do porto de São Mateus; as chibatas cortavam a carne fazendo-a gritar de dor. Os outros escravos da fazenda, que também eram de Angola, passaram a tramar um plano para libertar a princesa, que era violentada pelo senhor constantemente.

Zacimba, ao longo dos anos, foi amadurecendo, e com seu sangue nobre passou a liderar um movimento de libertação dos negros da fazenda de José Trancoso. Por meses, os negros pegaram uma cobra, conhecida como “preguiçosa”, cortavam a cabeça, torravam e moíam tudo, transformando num pó muito fino, que era dado ao senhor na comida, em doses muito pequenas. Certo dia, as dores do senhor começaram; os negros aguardavam o momento certo para a liberdade. Quando Zé Trancoso passou a “gritar feito um boi”, os capangas descobriram que seu patrão tinha sido envenenado. Sabendo que os capangas matariam muitos escravos, até descobrirem a verdade, os negros invadiram a casa matando todos, só poupando a família do senhor.

Zacimba comandou a fuga de seu povo, da fazenda, e andaram pelas matas até Riacho Doce, depois de Itaúnas, lá formando um quilombo, lugar esse onde todos os negros eram livres e trabalhavam na terra, dividindo toda a produção como irmãos. Vários negros de outros quilombos, ou fugidos dos capangas dos outros senhores de escravos, se refugiavam no quilombo da princesa Zacimba. No entanto, a princesa não estava satisfeita.

Ela sabia que o povo de sua terra estava sendo trazido, aos milhares, para ser escravizado no Brasil por brasileiros e portugueses, que achavam que o trabalho era humilhante e por isso tinham que escravizar os africanos, povo forte e guerreiro, que, infelizmente, não possuía as armas de fogo que os europeus possuíam. Foi aí que ela passou a atacar os navios que traziam escravos da África para o Brasil. Esses navios, que precisavam entrar no Cricaré para desembarcar, ficavam na costa esperando a maré aumentar para entrar no rio. Enquanto os navios esperavam na entrada do rio, a princesa Zacimba e seus guerreiros atacavam.

A princesa e outros guerreiros corajosos preparavam as canoas e esperavam anoitecer para o ataque mortal. Quando anoitecia, eles remavam na escuridão até chegarem aos navios negreiros. Os negros vinham trancados em porões, acorrentados, sem água e comida, nus e doentes. Muitos morriam na viagem e eram jogados no mar. Mas Zacimba tinha outros planos para os que chegavam vivos: a liberdade. Atacavam pelos lados, de surpresa, venciam as batalhas pegando os marinheiros desprevenidos, e libertavam os negros. Por dez anos libertaram centenas de negros. Os europeus já não ficavam perto do mar, pois temiam o ataque dos negros do quilombo do Riacho Doce.

A antiga princesa e escrava Zacimba Gaba cumpriu sua missão: ia aonde a opressão, a injustiça, a covardia dos brasileiros e dos europeus estivesse. Para ela, o seu povo deveria continuar livre, e não, viver como escravo, como propriedade de outro, apanhando, comendo mal, vivendo em outro país, longe das esposas e maridos, longe dos filhos e, principalmente, sem liberdade. Zacimba morreu invadindo um navio, cumprindo sua missão e seu ideal, mostrando para todos os negros de hoje que eles devem lutar pela valorização da sua cor, pelos seus direitos e, principalmente, pela igualdade entre os homens.

Uma outra triste estória, envolvendo escravos, ocorrida nos arredores de São Mateus, foi a da jovem Constança de Angola. Ela era escrava do Coronel Matheus Gomes da Cunha, irmão do Barão de Aimorés, que viveu, por volta de 1880, na Fazenda Cachoeiro. Sobre os filhos de escravas, muita crueldade aconteceu. Certo dia, a esposa do coronel ouviu o choro do menino novo de Constança. Ela detestava choro de criança e achava que o serviço atrasava muito com o pequeno tempo em que as escravas precisavam ter para cuidar dos meninos. Por isso, em um desses choros do filho de Constança, a senhora pegou o bebê e saiu andando com a escrava Constança gritando atrás dela, mesmo assim a sinhá pegou o bebê pelos pés e jogou dentro de uma fornalha em brasas. Constança, aos berros, gritava dizendo que ia matar a sinhá.

Os negros tentaram fazer uma rebelião e a esposa do coronel foi morar fora da fazenda; foi para a cidade. Constança ficou dias no tronco, sendo surrada por Zé Diabo, um capitão-do-mato, negro, ex-escravo, considerado pelos negros “traidor da raça”. Ele usava uma capa preta e tinha uma cara assustadora. Constança foi libertada por um grupo de negros fugidos, que estava nas matas, e ficou sabendo do horroroso episódio de crueldade da esposa do coronel Matheus Cunha. Fugitiva, ela passou a lutar contra as injustiças da escravidão. A esposa do coronel voltou para a Fazenda Cachoeiro, porque sua fama de perversa matadora de menino já tinha se espalhado por toda a região, e na cidade ela era recriminada como assassina.

Constança, porém, estava nas matas com vários outros escravos fugidos; eles eram contra a opressão e a maldade dos donos de escravos. Com os outros guerreiros nas matas de São Mateus, lutaram em várias fazendas para libertar escravos e acabar com os capitães-do-mato de cada uma delas. Certa vez, numa emboscada que os fazendeiros prepararam para Constança, ela sofreu um ferimento. Todos os outros negros fugiram e a deixaram no local. Por isso, Constança foi presa na Cadeia Velha (onde hoje é o museu). Porém, em um dia de procissão, na calada da noite, vários negros libertaram Constança da cadeia. O povo da cidade ficou em pânico, pelo perigo e pela “ousadia” dos negros.

Certa vez, à noite, num lugar às margens do Rio Cricaré, denominado Piaúna, Constança e os outros negros estavam preparando o “dicumê” (comida), quando das matas apareceu Zé Diabo, o capitão-do-mato. Ele estava com um chicote em uma mão e na outra tinha uma garrucha de dois tiros. Constança era ótima lutadora de capoeira angola e sempre andava com uma faca muito amolada. Constança balanceava de um jeito que Zé Diabo não tinha como acertá-la com a garrucha de dois tiros. Ele sabia que se errasse ela cortaria a garganta dele. Após muitos minutos naquela ginga mortal, já escurecendo, dentro da mata ouviu-se um tiro. Constança desviou do chumbo como raio e continuou na ginga de capoeira esperando para atacar Zé Diabo.

Ele sabia que se errasse o segundo tiro, já era. Muito tempo se passou, e Constança foi cansando. Foi quando se ouviu o segundo tiro. Quando foram ao local, Constança estava morta com o tiro e Zé Diabo com a garganta cortada. Como o prometido, Constança foi enterrada no local, junto com o filho, na Fazenda Cachoeiro.”

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